quinta-feira, 4 de março de 2010

Srª Armadora dixit ...

Sair de Lisboa no princípio de Fevereiro com destino ao Equador e Galápagos, de férias, foi verdadeiramente um privilégio e uma experiência inesquecível. Nunca estes destinos tinham estado nas minhas prioridades pois sou mais do tipo urbano e, portanto, a principal motivação para a partida tinha sido preencher os mínimos da tripulação para o Thor mas, juntar-me a este grupo de “loucos privilegiados” que andam a dar a volta ao mundo de barco também era um aliciante e o calor esperado, as águas do mar claras, tranquilas e quentes e o exotismo local eram impulsos adicionais. Para não falar claro de estar com o Rui. A viagem até ao Equador – Guayaquil via Madrid a 8 Fev foi longa, mais de 15 h de avião, num daqueles voos cheios de crianças a chorar e gritar a viagem toda. Esta é a época das férias escolares no Equador e daí este maior movimento das familias. O Rui esperava-me e lá partimos, por estradas que na altura me pareceram razoáveis, com destino a Libertad/Salinas para a Marina de Puerto Lucia Yacht Club. A Marina encontra-se situada naquilo que é chamado a área turística de praias do Equador. O seu enquadramento é o de um condomínio fechado com grandes medidas de segurança no portão de entrada. A separação com uma praia adjacente era feita através de um grande rolo de arame farpado, como se vê nos filmes da 2ª Guerra. No tal condomínio fechado para além da Marina e de um pequeno estaleiro, tínhamos acesso a toda a infraestrutura e serviços prestados por um Hotel, Restaurantes, Piscinas, Health-Club, Spa, tudo isto muito  agradável e de melhor qualidade que as condições da Marina. Durante a semana que ali estivémos, fizémos a limpeza interior e exterior do Thor, o reabastecimento para as próximas estapas (2 meses) e ainda aproveitámos 2 tours: um a Guayaquil e outro à Rota das Praias. Guayaquil é a maior cidade do Equador, tem cerca de 2,5 milhões de habitantes, mas não tem nada de especial. Um grande incêndio há cerca de 150 anos destruiu a parte central, pelo que o agora se nos depara é uma  cidade relativamente moderna, relativamente pobre – há grandes morros de favelas mesmo dentro da cidade – e os pontos de maior interesse serão o Malecón 2000 junto ao Rio, a catedral e o Jardim das iguanas à sua frente e o bairro Las Perlas. Na rota das praias visitámos um Hotel/Restaurante no cima de uma colina sobre o mar de onde se disfrutava uma vista deslumbrante e ainda a célebre Montanîta, praia frequentada por gente nova onde o surf é rei e tudo o resto é bastante estranho com ruas de terra batida, sem saneamento, com poças de água devido às chuvas que têm caído e uma arquitectura bizarra com construções de madeira, algumas com 2 andares, tectos de colmo e pinturas garridas nas paredes.
Para o abastecimento do Thor, a menos de 1Km da Marina havia um grande Centro Comercial, exactamente com o mesmo conceito dos nossos, com um excelente Supermercado em quantidade e diversidade de géneros e com preços bastante razoáveis. As medidas de segurança no parque de estacionamento deste Centro eram dignas de nota: à entrada e à saída havia Seguranças a tomar nota em papeis da origem e destino dos taxis, estes recebiam um papel à entrada que devolviam à saída e havia ainda uns postos elevados de controlo, como os que existem nas prisões, para reforçar o controlo. Talvez por esta ser uma zona de férias, as medidas de segurança visíveis eram enormes por todo o lado e com uma presença muito constante da polícia: as casas e as igrejas eram sempre rodeadas de muros bem altos, encimados por redes eléctricas e os aparelhos de ar condicionado exteriores e até as campaínhas das portas estavam protegidas com grades. De qualquer modo, durante o tempo que lá estivémos não ouvi falar de nenhum assalto ou qualquer problema de segurança. Pode ser que o objectivo seja mesmo dissuadir qualquer tentativa.....Outra questão que me preocupava era se no final de cada dia haveria alguém a tratar toda aquela informação que ficava registada em todos aqueles papeis.....
Em termos gastronómicos houve um Crew Supper no restaurante Amazonas em Salinas  oferecidos pelo WARC e um Farwell Party para distribuição de prémios no Yatch Club (como vem sendo habitual o Rui recebeu um prémio pelo seu 3º lugar da Classe B na 2ª etapa) e muitas das nossas refeições foram feitas no Bar do Yacht Club ou à beira da Piscina: os sumos de Pina e de Sandia eram os nossos preferidos e eu também fiquei fã do Ceviche de Camarão. No dia 18 de Fevereiro partimos para os Galápagos com 530nm para percorrer, agora com um novo companheiro a bordo, o Paco Sotomayor, um espanhol de Huelva, encantador, que ocupou a cabine de proa anteriormente ocupada pelo Bob Parker, um Inglês há muito residente em Menorca e que depois de uma semana a passear pelo Equador retornou ao seu país de residência. A viagem demorou 3 dias e meio, com pouco vento e muito motor. Durante 2 dias pouco contaram comigo, “mareei-me”, mas ao 3º dia ressuscitei, fresca e pronta para tudo. O lado positivo desta hibernação é permitir-me fazer uma dieta forçada e perder algum do peso a mais que tenho, mas que umas cervejas fresquinhas a seguir facilmente repõem.... O destino era Baquerizo Moreno na ilha de San Cristobal, a capital dos Galápagos. A chegada fez-se perto da meia-noite com muito pouca sinalização e com uma quase lua-nova tapada pelas nuvens, houve mesmo alguma intranquilidade silenciosa na tripulação a bordo, mas a perícia e segurança do Rui, e a sua fé nos instrumentos de navegação permitiram que atravessássemos a linha de chegada sem problemas. Ficámos fundeados na baía em frente do povoado e o transporte para terra fazia-se por taxi (“tassi de água” em espanhol), chamado pelo canal 14. O transporte custava USD 0,50/pessoa durante o dia e USD 1,00 à noite como nos informaram as autoridades que visitaram o Thor no dia seguinte de manhã para as formalidades aduaneiras e de controlo sanitário. San Cristobal tem cerca de 8.000 habitantes, mas muitos mais animais, todos eles endémicos, ou seja, naturais da região. O povoado é pequeno e pobre, mas limpo e com um ar mais cuidado que a região turística do Equador onde tínhamos estado. E todo virado para o turismo com restaurantes, cafés/bares, lojas para acesso à Internet e venda de souvenirs turísticos, nomeadamente camisetas (t-shirts) dos Galápagos. Os leões marinhos espraiavam-se pelo cais de atracação (eram imensos.....) e nadavam na baía e era comum saltarem para dentro dos dinghies ou mesmo dos barcos. No Thor houve um que se alojou no estreito degrau existente na popa junto à escada. Mas uma defensa ali colocada impediu novas visitas. Também os pelicanos eram em grande quantidade e pacíficos e, na praia ali bem perto ainda tirámos fotografias a um albatroz de patas azuis, o ex-libris da região. Num dos dias fomos fazer um tour pela ilha com um Guia. Éramos 7 ( os espanhós – sevilhanos – do Kalliope, o Paco e nós os 2) e fomos numa pick-up de caixa aberta, 4 dentro e 3 sentados na mala. O  Guia dizia serem estes lugares no exterior os mais disputados pois permitiam maior liberdade para as fotografias, mas a chuva intensa que caíu nesse dia não foi muito agradável para os 3 espanhóis os ocuparam. Fomos ver o parque das tartarugas gigantes, os galápagos, a praia com as iguanas, os leões marinhos e o vulcão no cima da ilha que as nuvens deixaram ver  apenas por uns segundos e ainda permitiram que lhe tirássemos 1 fotografia, só uma. No preço do tour, bem negociado pelo Emílio do Kalliope, estava incluído um almoço em casa do Guia.  Na verdade foi no quintal da sua casa. Sempre novas experiências!
Quanto a pesca, durante a navegação para os Galápagos o Rui põs a cana de pesca em seu sítio e ainda tivémos um simulacro de captura, mas o peixe, que o Paco dizia ser bastante grande, escapuliu-se. Ficámos todos tão excitados que nem conseguimos tirar uma fotografia a esta cena.Para compensar este desaire, o Kalliope convidou-nos para um jantar a bordo, de atum no forno com batatas, cebola e rodelas de limão. Estava excelente.
O Thor continuava sem tripulação garantida para a próxima perna, nada mais que a viagem até às Marquesas, cerca de 3000 nm, ou seja, 20 dias de viagem. O Rui continuava nas suas diligências para encontrar parceiro, mas já tinha admitido que se não surgisse rapidamente uma alternativa, teria que a fazer sozinho pois o Thor não poderia ser ali deixado e o caminho para casa era sempre em frente. Mas no penúltimo dia em Baquerizo Moreno apareceu o Uly, um alemão que viajava no Thetis e que para continuar a volta ao mundo pretendia mudar de barco, e, depois de conversarem, entenderam-se. Assim, pelo menos até ao Taihti a tripulação do Thor está garantida. Que alívio!!!!!
A 25 Fevereiro bem cedo partimos para Puerto Ayora, ilha de Santa Cruz, a 40 nm. A viagem foi rápida e calma, como eu gosto, e chegados à baía fundeámos. As águas eram muito agitadas e uma movimentação permanente, houve mesmo que segurar o barco também com um ferro à popa. Esta ilha é a mais populosa, cerca de 12.500 habitantes, e é ainda mais turística. Tem mais hoteis, lojas, bares e restaurantes, alguns bem sofisticados, mas com um enquadramento algo desajustado pois a vizinhança poderá ser um edifício em cimento ainda por acabar ou mesmo um lote de terreno cheio de ervas ainda por construir. Também aqui os pelicanos, leões marinhos, albatrozes, piqueros, flamingos e restante fauna convivem pacificamente com a população. Logo no primeiro dia deparámao-nos com uma cena curiosíssima: um mercado de peixe com 2 pescadores amanhando o peixe que era descarregado dos barcos atracados ali ao lado e um bando de pelicanos e 2 leões marinhos disputando os desperdícios de peixe. Um destes leões marinhos encostava-se à perna do pescador e defendia o seu território da aproximação do outro  leão marinho, correndo com ele aos gritos sempre que o via aproximar-se. Cena verdadeiramente impressionante! Pareciam todos animais domésticos!
Entretanto fui confirmar nos escritórios da Aerogal o meu voo para Lisboa e ainda bem que o fiz pois o voo tinha sido antecipado das 10:40H para as 10:00H já há mais de 2 meses, mas o site na Internet, através do qual eu tinha comprado o bilhete, ainda não tinha sido actualizado. Os escritórios da Aerogal ficavam na parte mais interior do povoado e pelo caminho passámos pelo mercado de fruta local e de entre as poucas coisas à venda comprámos ananazes e mangas e pelas lojas para os residentes com letreiros com pinturas naif anunciando: alta costura, farmácias, dentista, conselheiro jurídico. O aspecto era bastante simples, todos de porta aberta mas vazios.
Depois do passeio de reconhecimento fomos para o bar onde estava instalado o WARC para a Happy Hour. O dia tinha começado soalheiro, mas de repente começou a chover intensamente e por um par de horas. Parece que esta quantidade de chuva era invulgar na ilha tendo chegado a provocar inundações e corte de energia. Quando abrandou a chuva retornámos ao barco e deparámo-nos com uma situação pouco agradável. Como tínhamos deixado o barco aberto, para secar das humidades da viagem, havia quase uma inundação a bordo. Em suma: no dia seguinte tivémos que pegar em toda a minha roupa, almofadas, roupa da cama e sei lá que mais e levar para uma lavandaria para lavar e secar. Mas às 18:00 estava tudo como novo!
Dia 27 às 10:00 aeria a hora do meu voo para Quito. O aeroporto é em Baltra, uma ilha quase pegada a norte da ilha de Santa Cruz e o percurso para lá chegar teria que ser o seguinte: taxi de água até ao porto, taxi para a estação de autocarros, autocarro, barco para passar para a ilha de baltra e de novo autocarro até ao aeroporto. Fácil, não é? A minha saída do Thor teria que ser feita pelas 7:00h pelo que pusémos o despertador para as 6:00h e deixámos toda a minha bagagem previamente arrumada. 
Mas às 5:00h dessa manhã de 27 Fev o telemóvel acordou-nos, era de Lisboa a informar que tinha havido um forte tremor de terra no Chile e que havia um aviso de Tsunami para o Pacífico. Logo a seguir o Destiny grita-nos para dentro do barco também  a informar deste aviso de Tsunami e através do Canal 77 o WARC comunica que a Capitania do Porto tinha decidido que todos os barcos deveriam abandonar o porto de imediato e partir para mar alto. Rapidamente o WARC trata da minha saída para terra e o Rui depois de obter ajuda para levantar o ferro de popa, parte para o mar alto. Foi uma despedida muito à pressa.... Chegada a terra, começa uma verdadeira odisseia. Por coincidência está um taxi parado junto ao cais de atracação a quem peço para me levar ao aeroporto. Dou então conta que toda a cidade está a ser evacuada e a população parte em carros, camionetas, bicicletas, a pé para a parte mais alta da ilha, mas tudo com muita serenidade e uma organização inesperada. No rádio do taxi vão-se ouvindo notícias sobre a situação e uma informação a dizer que o aeroporto estava encerrado e os voos suspensos.
O taxista, Raul de seu nome e muito simpático, tinha um tio com casa já numa parte alta da ilha e decide levar-me para lá. Que eu ficasse descansada que mais tarde voltaria para me levar ao aeroporto ou para onde eu dissesse. Assim aconteceu e durante as 2 horas em que ali estive assisti à passagem incessante de carros e camionetas cheias de gente a fugir.  Ainda vi passar e falei com os pais do Calli, o skipper espanho do Grand Filou, que estavam a ser evacuados pelo hotel onde estavam alojados. Com o Rui ou com Portugal não conseguia comunicar pois a Rede de telemóvel estava congestionada.
O meu taxista voltou e numa espécie de café num ponto ainda mais alto da ilha, em Bella Vista, encontrei um italiano a trabalhar nos Galápagos há cerca de 3 anos para o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) num projecto de desenvolvimento sustentado do arquipélago que também tinha billhete marcado para o mesmo voo. Os seus conhecimentos locais foram preciosos, bem como a sua vontade de me ajudar, pelo que resolvi segui-lo. Tinha havido a informação que a responsável da Aerogal estaria no Hotel Royal Palm pelo que o meu taxista levou-nos até lá. Este é um Hotel de luxo pertencente aos Small Leading Hotels of the World, onde ficam hospedadas personalidades como o Príncipe Carlos e a Camila e estrelas de Hollywood e onde uma dormida custa entre USD 500 e USD 1.000. O Cristian dizia que se havia que sofrer, então que o queria fazer com estilo!!! O Hotel era, na verdade, uma beleza e de muito luxo, coisa que já não via há uns tempos.
A responsável da Aerogal lá estava no restaurante a tomar o pequeno almoço e acordou que nos informaria logo que o 1º voo fosse escalado. O resto da manhã foi passada à conversa e a tomar um pequeno almoço de luxo no hotel e a desfrutar daquela beleza paradisíaca. Entretanto recebi um telefonema do Rui a informar que estava bem e de regresso a Puerto Ayora. O aeroporto reabriu cerca das 13:00h e o autocarro do Hotel levou-nos até lá. A ilha de Baltra foi usada pelos Americanos durante a 2ª Guerra Mundial e ainda hoje se vêem destroços de instalações militares e de equipamentos  a serem passeados por iguanas. O aeroporto fica num num grande telheiro coberto, mas tem uma sala VIP para os hóspedes do Hotel Royal Palm. Às 14:00h descolou o 1º avião e o meu destino era agora Guayaquil para daqui tentar apanhar o meu voo para Madrid, o que consegui, chegando a Lisboa às 17:00 de Domingo, dia 28 de Fevereiro de 2010. E cá estou de volta à realidade, à normalidade. Deixando para trás uma experiência de que nunca mais me irei esquecer! Uma experiência única!!

6 comentários:

  1. Creio poder dizer que todos ficamos muito agradecidos por aqui deixar a história de uns dias vividos com grande intensidade.
    João GM

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  2. grande aventura. e grande determinação para cintinuar. belo exemplo!

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  3. Os meus parabéns pelo grande desenrascanso, que demonstrou a enorme vontade de tudo superar.
    Era precisamente o que eu esperava da Sra Armadora.

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  4. Excelente descrição e história, parabéns !

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