quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dayli Log - Brs 02

Continuamos em Salvador da Bahia, mas neste último fim de semana fizemos um bocadinho de turismo, deixámos o barco e fomos para o interior, para a zona do recôncavo. O recôncavo baiano é a região geográfica localizada em torno da Baía de Todos-os-Santos, abrangendo não só o litoral mas também toda a região do interior circundante à Baía incluindo a Região Metropolitana de Salvador.
A região é considerada muito rica em petróleo e na agricultura a cana-de-açúcar, mandioca e algumas culturas de frutas tropicais são propícias ao plantio. Esta região foi o berço do samba brasileiro, tendo sido o lugar onde, por volta de 1860, teriam surgido as primeiras manifestações do samba de roda, uma mistura de dança, poesia, música e festa ligado ao culto aos orixás, sendo considerado “Obra Prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade” pela UNESCO bastante divulgado pela família Velloso (originalmente, com dois "l"), de Santo Amaro da Purificação e composta por cantores e escritores, entre eles os irmãos Caetano Veloso e Maria Betânia. O recôncavo baiano é uma região brasileira de enorme influência africana para onde foram trazidos milhares de escravos para trabalharem na produção de cana de açúcar. Um estudo genético confirmou que a maior contribuição genética é a africana (49,2%), seguida pela europeia (36,3%) e indígena (14,5%). Para além de Salvador, as outras cidades mais importantes são Santo António de Jesus, Candeias, São Francisco do Conde, Madre de Deus, Santo Amaro, Cachoeira, São Félix e Cruz das Almas, tendo nós pernoitado em Cachoeira. Esta está situada nas margens do Rio Paraguaçu, tendo uma população estimada em 31.071 habitantes e com uma área territorial de 398 km².
Cachoeira é uma das cidades baianas que mais preservou a sua identidade cultural e histórica com o passar dos anos, tendo a imponência do seu casario barroco, das igrejas e museus, levado a cidade a alcançar o status de "Cidade Monumento Nacional" e "Cidade Heróica" pela participação decisiva nas lutas pela independência do Brasil. Sendo inicialmente uma região habitada por índios, foi pela iniciativa de duas famílias portuguesas, os Dias Adorno e os Rodrigues Martins, que levou a sua elevação a Freguesia de Nossa Senhora do Rosário em 1674. Devido à sua localização estratégica, no entroncamento de importantes rotas que se dirigiam ao sertão, ao recôncavo, às minas gerais ou a Salvador, então capital da colónia, começou a prosperar e, em 1698, tornou-se Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira do Paraguaçu, cujo nome advém da sua localização próxima às quedas de água do Rio Paraguaçu. O desenvolvimento do cultivo de cana-de-açúcar, da mineração de ouro no Rio das Contas e a intensificação do tráfico pelas estradas reais e da navegação do Rio Paraguaçu colaboraram para o rápido desenvolvimento económico da região a partir do século XVIII. Já em inícios de 1800 detém grande influência política e participa activamente nas guerras pela Independência da Bahia, em 1821.
Cachoeira é considerada Monumento Nacional pelo Instituto do Património Histórico Artístico e Nacional sendo também a 2ª capital da Bahia, por lei. Todos os anos, no dia 25 de Junho, o governo estadual é transferido para a cidade, num reconhecimento histórico, pelos feitos da cidade ao Brasil.  O apogeu da cidade foi durante os séculos XVIII e XIX, quando seu porto era utilizado para escoamento de grande parte da produção agrícola do recôncavo baiano, principalmente açúcar e fumo, produtos até hoje contemplados no município, em virtude do clima e solo propícios da região. Porém, a economia da cidade entrou em declínio, mas no final do século XX e início do século XXI, com o regresso de empresas para a região, a comunidade local está em recuperação. A significativa presença de africanos e afro descendentes em interacção com europeus de variadas nacionalidades em Cachoeira durante o período da escravidão, é um dos factores que originou a riqueza e diversidade da cultura popular em Cachoeira, encontrando-se presente no sincretismo religioso com forte presença da cultura afro-brasileira e das manifestações do catolicismo.
A cidade hoje é um baluarte cultural dentro do estado da Bahia, demonstrado nos seus inúmeros museus e movimentos populares. Nela é possível ver a riqueza dos detalhes das construções como o prédios da Santa Casa (1734), a Capela de Santa Bárbara, o Chafariz Imperial (1827), a Igreja da Ordem Terceira do Carmo (1724), a Matriz Nossa Senhora do Rosário e o sobrado da Irmandade da Boa Morte (grupo remanescente de escravos, composto só de mulheres negras, primeiro terreiro de candomblé do país). No século XIX Cachoeira teve projecção na história política nacional pois dali ecoaram os primeiros gritos contra a opressão portuguesa, visando a criação de um movimento organizado em prol da independência do Brasil. Foi a Câmara Municipal de Cachoeira que, em 1822 proclamou D. Pedro “Príncipe Regente do Brasil”.
De acordo com o historiador Luís Henrique Dias Tavares, no livro “Independência do Brasil na Bahia”, em 22 de Junho de 1822, uma canhoneira portuguesa que protegia o rio Paraguaçu abriu fogo contra o reduto independentista baiano, deixando vários mortos. “Logo após os primeiros tiros da canhoneira começou a luta para silenciar a embarcação de guerra, aprisionar o seu comandante e marujos e desarmar e prender os soldados e os portugueses que haviam feito disparos. Assim começou a guerra pela Independência do Brasil na Bahia”, descreve. Além da importância histórico-política a cidade também é palco de uma das principais manifestações do sincretismo religioso do país e onde surgiu o primeiro terreiro de candomblé.
E foi a um ritual de candomblé que tivemos oportunidade de assistir no Sábado à noite. Candomblé é o designativo para diversos cultos, intitulados "nações" em que há o cultivo dos orixás. Sendo de origem totémica e familiar, é uma das religiões afro-brasileiras praticadas principalmente no Brasil, pelo chamado "povo do santo", mas também em outros países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Colômbia, Panamá, México, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha. A religião que tem por base a anima (alma) da natureza, sendo portanto chamada de anímica, foi desenvolvida no Brasil com o conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos de África juntamente com seus Orixás/Inquices/Voduns, a sua cultura, e o seu idioma, entre 1549 e 1888. Diz Clarival do Prado Valladares em seu artigo «A Iconologia Africana no Brasil», na Revista Brasileira de Cultura que o «surgimento dos candomblés com posse de terra na periferia das cidades e com a agremiação de crentes e prática de calendário verifica-se incidentalmente em documentos e crónicas a partir do século XVIII». O autor considera difícil para «qualquer historiador descobrir documentos do período anterior directamente relacionados à prática permitida, ou subreptícia, de rituais africanos». O documento mais remoto, segundo ele, seria de autoria de D. Frei António de Guadalupe, Bispo visitador de Minas Gerais em 1726, divulgado nos «Mandamentos ou Capítulos da visita».
O candomblé embora confinado originalmente à população de negros escravizados, proibido pela igreja católica, e criminalizado mesmo por alguns governos, prosperou durante quatro séculos, e expandiu-se consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Estabeleceu-se com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de templos e em levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhões de brasileiros (1,5% da população total) declararam o candomblé como sua religião. Na cidade de Salvador existem 2.230 terreiros registados na Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros e catalogado pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia. Entretanto, na cultura brasileira as religiões não são vistas como mutuamente exclusivas, e muitos povos de outras crenças religiosas - até 70 milhões, de acordo com algumas organizações culturais Afro-Brasileiras - participam em rituais do candomblé, regularmente ou ocasionalmente sendo agora uma parte integrante da cultura e uma parte do folclore brasileiro.
Foi uma experiência bem interessante relembrando-me um pouco alguns rituais a que assisti em África já lá vão uns anos. Enfim foram dois dias bem diferentes desta normalidade que é estar aqui na marina em Salvador esperando a chegada das peças necessárias à recuperação do barco. O que aconteceu, porque aconteceu e de quem é a responsabilidade está cada vez mais confuso, mas nós iremos esclarecer tudo muito direitinho porque a náutica de recreio ou "os gajos dos barcos" não pode continuar a ser enganada a torto e a direito. O que se passou comigo é grave mas a seu tempo eu conto. Até lá cuidem-se.

1 comentário:

  1. Nada melhor que um pouco de cultura!!! parabéns pelo prémio, beijinhos e saudades.
    o Ricardo manda um grande beijinho .
    Marta e Ricardo

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