quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma espécie de diário da Patroa - 21







AUSTRÁLIA – 13.08.2010

Saímos pelas 08:00 e 24 horas após fundeámos em Night Island, uma pequena ilha em forma de amendoim, baixa, deserta, mas que oferece boas condições de ancoragem. Nestas 24 horas percorremos 156 milhas, média de 6,5 milhas/hora, velocidade só atingida pelo Thor  quando há ventos fortes e a empurrar. Na verdade durante todo o dia o vento soprou fortíssimo, 30/35 nós e o céu esteve sempre encoberto, no fim do dia o vento abrandou um pouco mas esteve uma noite muito fria. Esta parte da Austrália por onde navegamos, ainda no estado de Queensland, é uma zona de reserva aborígene, para onde aqueles coitados foram mais ou menos empurrados, tendo-nos sido dito que não seria aconselhável ir a terra. A foz dos rios, e nesta zona há muitos, são por natureza zonas bem abrigadas dos ventos mas estão infestadas de crocodilos e portanto, também nada aconselháveis! Ainda a ter em conta as características da Barreira de Corais aqui mais estreita e com fundos ainda mais baixos. Navegamos com profundidades inferiores a 20 metros e com bastantes recifes espalhados, felizmente bem assinalados nas nossas cartas electrónicas, a que acresce o movimento dos barcos de pesca, sobretudo à noite e dos grandes navios com quem partilhamos o mesmo corredor. Por tudo isto a navegação é bastante exigente, requerendo uma atenção redobrada, o que provoca um cansaço adicional, e como os locais abrigados para ancoragem não são assim tão abundantes sendo obrigatório abordá-los ainda com luz do dia, somos obrigados a algumas tiradas grandes, de que eu não gosto nada. Mas estávamos nós e o Eowyn pacatamente fundeados em Night Island, recuperando de uma longa noite, quando uma grande lancha também ali fundeia e mais um helicóptero aterra na praia ali em frente e mais uns barcos de pesca desportiva se movimentam e uns dinghys correm dum lado para o outro. Uma azáfama que eu até pensei tratar-se de alguma organização de investigação marítima, até porque tínhamos acabado de ser chamados pelo rádio por um “Customs Aircraft” que confirmou a nossa identificação, os portos por onde tínhamos passado, num controlo de rotina feito por patrulhas aéreas. Pelas 17:00 um dinghy aproxima-se do nosso barco com dois jovens devidamente identificados como tripulantes da “Spirit of Freedom” – assim se chamava a lancha grande - e, em nome de uns senhores americanos convidam-nos para uma bebida a bordo e para jantar. A primeira impressão é de surpresa e alguma relutância pelo inesperado do convite mas depois pensamos, e porque não?, e decidimos aceitar o convite. Igual convite foi feito ao Eowyn que de imediato o aceitou. Assim, pelas 18:00 o mesmo dinghy, sempre com tripulantes devidamente uniformizados vieram buscar-nos. Somos recebidos por um grupo de americanos, em que um tal Fred, o mais velho (e bastante!) se percebe ser o líder. Afinal a tal grande lancha é o barco-mãe, tipo hotel de 5 estrelas, contratado por este grupo de americanos que vieram pescar para a Austrália e toda a restante frota, 3 barcos de pesca desportiva e um helicópetro, servem de suporte para as pescarias. Fomos recebidos principescamente, com as bebidas servidas no deck superior, onde fomos objecto de uma infinidade de perguntas, porque para aquela gente nós eramos quase uns extra-terrestres, com uns barquinhos pequeninos – e vistos do deck da lancha pareciam uns barquinhos - sem ar-condicionado, sem empregados, sem congelador, a andar tão devagarinho e a dar a volta ao mundo e um deles até tinha uma bandeira que ninguém conhecia! Eles nem acreditavam no que estavam a ouvir das nossas aventuras e desventuras, mas foram de uma simpatia inexcedível. Entretanto apareceu um tubarão que se tinha aproximado da lancha, provavelmente atraído pelas luzes e era um GRANDE TUBARÃO, teria muito mais de 2 metros e que pacatamente rondou por ali um bom bocado. O bicho metia respeito! Seguiu-se o jantar, onde estariam umas 25 pessoas, no salão principal, com menu impresso e mesas postas com todo o requinte. Já agora a ementa incluía peixe, barramundi, costeletas de porco, ragout e tarte de chocolate. Um verdadeiro luxo! Durante o jantar houve discursos enaltecendo a “empresa” e até foi apresentado um pequeno filme de uma fundação de apoio a crianças do qual um dos presentes era o “boss”. Tudo mas tudo tipicamente americano. Finalmente percebemos quem eram estes senhores com tanto despreendimento aos dólares. A empresa é a “Macdonalds” e o tal Fred Turner é, ou antes foi, porque agora parece estar já retirado, o Big Boss da empresa e os outros americanos, só homens, são amigos ou família, mas tudo gente muito importante com ligações à MacDonald. Tudo muito “american style” mas do muito rico que eu julgava que com a crise já não existiam coisas destas. O Fred já não estava em muito boas condições de saúde, só fumava e bebia, mas faz este “tour” há uns anos, 15 dias com este grupo e mais 15 dias com um outro grupo que substituirá este. Mas que grandes e ricas vidas!! As restantes pessoas a bordo eram australianas, um médico, os tripulantes dos barcos de pesca, o piloto do helicóptero e a tripulação da lancha que incluía, claro, um cozinheiro. Mas foi uma noite e um jantar completamente inesperados nestas paragens australianas e que entraram, sem dúvida, em conjunto com o jantar da dança flamenga em Tapana e o jantar no restaurante em Tana, para as recordações fantásticas desta maravilhosa aventura!

AUSTRÁLIA – 14.08.2010
Largámos de Night Island às 8h00 rumo a Portland Roads, 40 milhas mais a Norte, onde chegámos pelas 15h00. A lancha grande ainda lá ficou apesar do helicóptero ter levantado bem cedo, fico a imaginar se teria ido só buscar os jornais (?) ou apenas descobrir o melhor pesqueiro! A viagem foi tranquila e a baía onde fundeámos era abrigada ficando frente a uma praia onde se vêem 3 construções, as primeiras casas que vemos há muitas, muitas milhas. Temos navegado junto à costa sendo de assinalar o facto de não se verem casas, apenas floresta chegando por vezes quase até dentro do mar. Assim à noite, as únicas luzes que se vêem são as das estrelas, quando não estão encobertas por nuvens, e como só agora começou a lua em quarto crescente temos tido noites mesmo muito escuras. O tempo também ainda não melhorou e durante o dia tivémos sempre o céu coberto de nuvens. Já fazia falta um céu azul e um bom dia de sol e de calor! A água do mar até que nem está muito fria (cerca de 24º) mas com tubarões – e lembro-me daquele grande - e crocodilos por perto, parece gelo!

AUSTRÁLIA – 15.08.2010
A paragem seguinte foi em Margaret Bay junto ao Cabo Grennville, 40 milhas mais a norte, num ancoradouro de novo seguro e bem protegido. O sol já apareceu, a temperatura continua a aumentar e também a da água do mar, agora já acima dos 25º. O vento estava forte, da ordem dos 20 nós, o adequado para uma grande velejada, como o Rui gosta e assim a viagem foi rápida. Quando chegámos a Margaret Bay já lá estava fundeado o Voyageur e conforme tinha sido acordado no dia anterior, o Eowyn desceu o dinghy e, convidou-nos, a nós e ao Voyageur, para uma bebida a bordo. Depois foram convidados para jantar a bordo do Thor e a noite acabou cedo pois no dia seguinte esperava-nos uma grande madrugada.

AUSTRÁLIA – 16.08.2010
Partida às 4h00, ainda era e seria noite cerrada, em direcção a Escape River, 70 milhas a norte, o último ancoradouro seguro antes de Thursday Island. A madrugada ficou a dever-se ao facto de termos de chegar a Escape River com luz do dia dados os perigos que a zona apresenta. Escape River fica na foz de um rio, onde se faz a cultura de pérolas e está, portanto, cheio de bóias que são um perigo para os hélices dos barcos. Tem também grandes correntes e amplitudes de marés e está infestado de crocodilos pelo que não devemos sequer pôr de fora do barco um braço ou uma perninha. Estas indicações foram confirmadas pelo Destiny na chamada geral entre os barcos da frota que acontece todas as manhãs às 09:00 via SSB e que ali fundeara no dia anterior. Durante a viagem, de novo com um vento forte mas excelente para a vela, fomos brindados com as brincadeiras de 6 golfinhos que nos acompanharam durante algum tempo. É sempre uma excitação e um momento de grande deleite quando os golfinhos aparecem. Fundear em Escape River não foi tarefa fácil, tantas eram as bóias, mas lá arranjámos um local menos mau, com boa tensa – como eles dizem - embora não muito abrigado dos ventos que sopram forte. Mas será só para passar a noite!

AUSTRÁLIA – 17.08.2010
O despertador foi posto para as 6h00 e partimos de Escape River às 6h30, sem tocar em nenhuma bóia, inteiros, sem nos faltar nenhum bocado, mas sem vermos qualquer crocodilo – desta vez a madrugada foi devida ao facto de precisarmos de pelo menos meia maré para sair do fundeadouro, mas também precisarmos de luz do dia para ver as bóias. Partimos nós, o Eowyn e o Voyageur todos à mesma hora, mas um pedaço mais à frente o Eowyn separou-se e decidiu fazer mais uma meia dúzia de milhas contornando uma das ilhas porque teve receio de passar pela Albany Passage por causa dos ventos e das correntes. A Albany Passage mete respeito, ao longe parece um canal muito estreito cavado entre 2 ilhas onde mal cabe um barco, mas à medida que nos aproximamos as dimensões do canal tomam outras proporções e já nos sentimos mais à vontade e, no final, apesar dos ventos fortes que sopravam ainda beneficiámos de uma corrente favorável de 1 nó. Depois passámos o Cabo York, o ponto mais alto do Continente Australiano e entrámos na zona do Torres Strait que separa a Austrália da Papua Nova Guiné, com imensas ilhas, ilhotas e rochas e famoso pelas suas enormes correntes. Voltaram as nuvens, durante a viagem ainda apanhámos uns pingos de chuva, e um vento forte manteve-se até à chegada. Chegámos a Thursday Island pelas 13h com vento forte e mar muito revolto e ainda tentámos fundear na baía agarrando-nos a uma bóia que na altura estava livre embora nos tivesse sido dito que todas as bóias eram privadas e que se o dono a reclamasse teríamos que saír. Foi isso que aconteceu e ao fim da tarde rumámos a Horn Island que fica em frente de Thursday Island, a 1,5 milhas de distância, tem uma zona de fundeio mais abrigada e tem ferrys de ligação a todas as horas. A maioria dos barcos da frota que entretanto foram chegando tomaram esta mesma opção pois as condições em Thursday Island eram bastante deploráveis. Com isto tudo ainda não fui a terra e depois de 8 dias a bordo já está mesmo a apetecer!


AUSTRÁLIA – 18.08.2010
Manhã cedo tomámos o ferry para Thursday Island ( o Eowyn deu-nos boleia no dinghy até terra e assim poupámos o trabalho de descer o nosso, para além de que o local de amarração dos dinghys era pequeno e pouco seguro, avisos de crocodilos nas redondezas) e no cais de desembarque havia um autocarro, gratuito, para levar os passageiros até ao centro da cidade. Esta zona foi muito importante durante a 2ª Guerra Mundial e sofreu vários raids aéreos dos Japoneses, tendo estado aqui concentradas alguns milhares de tropas, mas desde então a civilização não passou por aqui. No entanto este é o porto de entrada mais a norte na Austrália (a propósito aquela visita dos Customs e Quarentine não se efectuou, tinha havido uma informação deficiente, mas acontecerá em Darwin), a porta de entrada para quem vem da Papua Nova Guiné e onde existem os serviços alfandegários. Tudo em Thursday Island era muito estranho, uma cidade vazia, com casas pré-fabricadas, algumas delas fechadas, outras mal cuidadas, muitas delas tendo no quintal um barco em vez de um automóvel. A população que se vê nas ruas também é diferente da que encontrámos nas outras cidades por onde andámos, tendo aqui grande peso a comunidade aborígene (muito escuros e na generalidade muito gordos). O comércio é reduzido, pobre e parece que retrocedemos no tempo pois os manequins expostos nas montras são do tempo da 2ª Guerra. Restaurantes também não havia, nem Internet Cafés e o melhor local que encontrámos para almoçar foi no Gab Titui Cultural Centre, onde havia um bar e uma galeria de arte aborígene. Aqui havia uma rede de Wifi fraquinha, mas não tínhamos levado o PC para terra e, portanto, não a pudémos usar.  Os telemóveis também ali não funcionaram, aliás já desde Cairns que não havia rede. A principal actividade que pareceu existir na ilha foi a pesca, havendo vários barcos de pesca fundeados tanto em Thursday Island como em Horn Island. Ao meio da tarde estava tudo visto e regressámos de ferry ao Thor.

1 comentário:

  1. Grande Aventura !!! Já estava a ficar preocupado com a falta de notícias... Um grande abraço para os dois e, dentro de duas semanas lá estaremos em Bali !
    João

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